sábado, 8 de agosto de 2009

VERÔNICA , A PIEDOSA


Verônica, livre do seu drama fita, de Jesus a face. E o observa afastar-se envolvido pela massa humana. Queria chorar, fazer sua catarse, mas algo continha sua gana. Como refazer sua vida, se já não podia voltar aos seus? Movida, então, por uma energia que dentro de si ainda corria, decidiu por fim viver para Deus. Encontrou o Senhor que buscava nas pessoas dos hansenianos. Pensava as suas lesões sempre aplicando um pano
na face daqueles seres humanos. Era assim que se consolava e animava os seus corações. Passaram-se dois anos de lutas e ela sentiu uma forte vontade de deixar aquelas grutas dos seus amigos lázaros. Saiu então daquela cidade e foi para muito mais além. Como a mulher que enche os cântaros, com fé, foi para Jerusalém. Ao chegar a capital uma triste revelação calou fundo em seu coração. Jesus fora condenado sem haver cometido sequer um pecado. E a sentença final, publicou-se no edito, era a crucificação. Vê, então, ao longe a multidão seguindo um homem e sua cruz. Sente, de novo, a mesma sensação do dia em que viu a intensa luz que emanara do peito de Jesus
libertando-a de sua danação. Ela estava perplexa diante do quadro que via: os ingratos e sua zombaria. Como entender esta situação complexa? Viu consternada, a Santa Face mutilada e ensangüentada daquele que um dia a salvara para que não se humilhasse. Era aquele mesmo que a curara. Sentindo-se impotente, imensamente indignada, quis gritar àquela gente, quis lutar por seu Senhor. Percebeu enfim, do nada, a sensação do tremor. O olhar de Jesus o seu fitava e encheu-se de temor. Vendo verter gotas rubras onde os acúleos penetravam, pensou: Há algo que cubra ou suavize as dores que o cravam? Mais uma vez Verônica encontrou espaço entre o povo que ensandecido gritava. E aproximando-se lacônica, agora com outra intenção, sob a visão irônica, tocou aquele que amava. Se o Seu manto lhe curara há muito tempo havia ao simples toque de fé, sua grave hemorragia, então ajudaria aquele a quem buscara: O Jesus de Nazaré. Daquela face o sangue vertia impunemente. Tomou então o seu manto e fez o que tinha em mente: Cobriu o rosto santo que continuava exangue. Foi assim que naquele calvário a que outrora Ele curara compôs o santo sudário. E ela julgou escutar um sussurro transcendente: -Seja sempre relembrada a sua ação comovente. Nesse instante um homem bruto afasta-a daquele avatar que lhe dirige o olhar como o brilho de uma estrela que ao seu espírito em luto era impossível descrevê-la. Eis a história desta mulher que duas vezes buscou um homem entre a multidão. Da primeira, o Seu manto a curou do sangue que ela vertia. Na seguinte o manto dela suavizou a Sua Paixão e marcou como numa tela, uma hematografia. Esta mulher piedosa é símbolo de coragem.
Pois enfrentou impetuosa a fúria do homem. E para testemunhar a sua gratidão, tocou para suavizar, com a sua adoração, o semblante de Jesus. Que embora pálido e triste, irradiou a mais intensa luz que existe!
Flávio Mussa Tavares
fmussa@mcampista.com.br

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